Você já abraçou uma árvore?
Em tempos de sakura e hanami, todos contemplam a beleza das pétalas enquanto poucos valorizam o tronco velho da árvore
Uma amiga certo dia me falou que ao chegar no Japão, tirava fotos de paisagens, castelos e até de um tronco de árvore velha, pois queria guardar muitas imagens de recordação para quando retornasse ao Brasil.
Eis que me vejo também tirando fotos de velhas árvores, porém, movido pela admiração ao pintor Vincent Van Gogh e ao gravurista Utagawa Hiroshigue.
Ao início da primavera no Japão, tenho observado o desabrochar das flores de cerejeiras (sakura) e ao mesmo tempo tenho procurado uma árvore semelhante àquela xilogravura (ukiyo-e) de 1857, de autoria do Hiroshigue, chamada “Parque das Ameixas em Kameido”.
Andando pelas ruas, se encontro uma cerejeira, lembro da gravura de Hiroshigue e a cópia de Van Gogh. Então ando em volta da árvore, busco o melhor ângulo para que a foto fique semelhante ao tronco retratado na obra de arte (foto abaixo). Que passatempo estranho hem, amigo leitor? Sim! Tenho esse lado meio “museu de belas artes”.
São os tempos modernos, porque uso o celular para registrar essas árvores. Porém, há mais de 130 anos, em 1887, o pintor holandês Vincent Van Gogh tinha somente seus pincéis para pintar uma cópia em tinta óleo dessa gravura, demonstrando sua grande admiração pela arte japonesa e por Hiroshigue (foto abaixo)
À esquerda, “Parque das Ameixas em Kameido”, gravura original de Hiroshigue; ao centro, esboço de Van Gogh e a cópia concluída, à direita.
Essa admiração pelas artes do Japão, em especial por Hiroshige e Hokusai, fica claro nos trechos de várias cartas que Van Gogh escreveu ao irmão Theo:
Querido Theo!
… tenho uma quantia enorme de desenhos para fazer, porque gostaria de fazer desenhos no estilo das gravuras japonesas …
(Arles, 9 de abril de 1888)
Um grande amigo meu certo dia me telefonou e perguntou quantas árvores eu tinha abraçado até aquele momento:
— Nenhuma! Por que?
— Porque observamos a beleza da natureza através dos olhos, podemos ver os esquilos saltitantes entre os galhos, ouvimos o canto dos pássaros, sentimos o cheiro do ar puro e das pétalas, saboreamos um fruto com nosso paladar. Mas e o sentido do tato? Então, abrace uma árvore, sinta nos braços a energia da natureza e agradeça a Deus por essa benção!!
Expliquei ao amigo que justamente naquele dia, tinha me programado para ir ao jardim do Castelo de Hamamatsu, fotografar os esquilos (foto abaixo).
— Então, aproveita e abrace algumas árvores …
Lá pelas tantas, o amigo voltou a telefonar:
— Então!! Tá no Castelo já? Abraçou quantas árvores?
— Amigão!! Brigadão pela bela filosofia, mas tem tanta gente aqui, fico envergonhado, que vão pensar quando eu abraçar as árvores?
Confesso que não abracei, mas tateei o tronco, esfreguei as mãos no casco velho e enrugado e agradeci a Deus por essa benção da Mãe Natureza.
Durante o hanami, no período de fim de março a início de maio, todos contemplam as flores sakura, é uma longa tradição do Japão.
Mas poucos observam a árvore centenária ou milenar, responsável por florir as pétalas que contemplamos.
É como se não respeitássemos os idosos e suas rugas.
Aquela amiga que fotografava um velho tronco de árvore, aquele amigo que mandou eu abraçar as árvores, as gravuras de Hiroshigue, as cópias de Van Gogh, esses fatores me marcaram através dos anos e permitiram novas reflexões.
Se valorizamos as belas obras de Hiroshigue e Van Gogh, retratando uma velha árvore de sakura, por que não respeitarmos as rugas dos idosos? Devemos entender que o casco rachado de uma árvore não necessita de maquiagem para ressaltar sua beleza e ela continua na plenitude de sua formosura e longevidade.
Sinto gratidão pela natureza e pelos bons amigos que nos ensinam com sábios conselhos.
OSNY ARASHIRO Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” …
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