Um Rei na Terra do Shogun
Relembro os encontros e entrevistas com o Rei Pelé em Tóquio, uma singela homenagem ao Atleta do Século que nos deixou no dia 29
Era a única oportunidade de ver o Rei Pelé no gramado do Estádio Pacaembu, numa das suas raras aparições. Ele estava com 46 anos. Então comprei o ingresso para o jogo do dia 4 de janeiro de 1987, da Copa Pelé, entre veteranos de Brasil e Itália, torneio organizado pelo saudoso locutor Luciano do Valle.
Que jogão! Foi um revival da grande final da Copa do México 1970, a Copa do Tri! Lá estavam Ado no gol, Pelé, Rivelino, Edu, Dadá Maravilha. Os italianos vieram de Albertosi, Facchetti, Boninsegna e cia. (foto abaixo)
Pelé no jogo contra a Itália pela Copa Pelé, no Pacaembu (4 de janeiro de 1987 – foto Internet)
Quando Pelé recebia a bola, o estádio aplaudia! Fizeram tanto barulho que começou a chover! Minha carteira ficou encharcada, molhou as bordas do meu RG e comprometeu as cédulas de dinheiro, mas o bilheteiro do metrô aceitou mesmo assim! .
O placar foi 3 a 0 para o Brasil. O terceiro gol foi de Dadá Maravilha, que havia entrado faltando 10 minutos para acabar, e na primeira bola que recebeu, marcou de cabeça aproveitando um cruzamento da direita. Dadá atravessou o gramado e foi comemorar subindo no alambrado!
Foi essa a única vez que vi Pelé jogando. Fui ver Pelé, mas assisti Dadá.
Aqui está o link do jogo no You Tube: https://www.youtube.com/watch?v=s9_nM1qUdwQ
CLÍNICA DE FUTEBOL EM TÓQUIO
Dez anos se passaram desde aquele jogo. Agora eu morava em Tóquio e trabalhava no Jornal Tudo Bem, direcionado à comunidade brasileira no Japão. Recebi um convite para cobrir uma clínica de futebol a ser ministrada pelo Rei Pelé! Nem acreditei nesse presente que caíra do céu! Mas era verdade!
Manhã do dia 12 maio de 1996 em Tóquio, uma multidão aguarda com máquinas fotográficas e filmadoras a chegada do Rei Pelé. O automóvel com vidro fumê chega no Fukugawa Ground, o campo da escolinha de futebol do time FC Tokyo, que na época se chamava Tokyo Gás.
Os japonesezinhos e seus pais começam a gritar “Pere…!! Pere…!! O Atleta do Século sabe que a euforia é pela sua presença porque não existe outro “Pere” no mundo. O Rei acena para os súditos e sobe por uma escada que o leva ao escritório da empresa japonesa à qual se associou, formando a Tokyo Gás Pelé Soccer School. (foto abaixo)
Cerca de 200 garotos entre 10 a 18 anos de idade aguardam ansiosos pelos ensinamentos da Sua Majestade do futebol. Eles ouvem atentamente as orientações de quem emplacou 1.283 gols na carreira de vencedor. O Rei caminha entre a garotada, corrige os defeitos observados: “Quando for chutar, o corpo deve ficar inclinado para a frente, não para trás, porque assim, além de não correr o risco de cair com o impulso, o chute sai com mais potência”.
Ninguém duvida da sabedoria de quem aos 29 anos já era pentacampeão mundial, três vezes com a Seleção Brasileira e duas com o Santos. Os recordes olímpicos sempre são batidos, mas nenhum atleta superou os recordes deste soberano do futebol.
Num momento de intervalo, me apresentei e iniciei uma entrevista exclusiva com Pelé! . Eu era o único jornalista presente, porque o organizador não queria multidão, então deu preferência a este repórter brasileiro! Pelé foi o atleta mais fácil de entrevistar porque não havia concorrência, incrível né?
— O que é preciso para que o futebol do Japão não passe por um momento de esquecimento como nos Estados Unidos, depois que você e outros astros pararam de jogar no New York Cosmos?
— Nos Estados Unidos houve alguns erros no começo. Os organizadores se preocuparam muito com a promoção, em trazer grandes nomes e não deram atenção aos jogadores da casa, aos ídolos locais. Esqueceram também da imprensa, não quiseram fazer contrato com a TV por longo tempo. Enquanto tinha Pelé, Beckenbauer, Cruyff, os grandes nomes, o futebol estava lá em cima. Quando os grandes nomes pararam, ficou sem base e então esse foi um grande erro deles. Aqui no Japão é diferente, porque já existe uma proteção maior para o jogador japonês. Existe a mídia, o contrato com a TV, as escolinhas que vão criando o jogador. Por isso, acho que o Japão não tem mais problemas e o futebol já é uma realidade.
Pauta de perguntas e autógrafo do Pelé com dedicatória no meu caderno
Todos queriam tirar fotos com Pelé. Então dividiram a turma em vários grupos e o Rei ficava no meio. Ele atende a todos, assina autógrafos, cumprimenta a garotada e não é preciso falar o idioma local, a não ser o idioma da bola.
— Pelé, o que a bola significa para você todos sabemos! Mas o que o Japão significa para você?
— Com a bola, jogando futebol, tive a oportunidade de conhecer pessoas e viajar pelo mundo. Foi a bola que me deu tudo. Nenhuma universidade me daria a chance de conhecer o mundo, se não fosse a bola e o futebol.“Essa afinidade que tenho com os japoneses vem desde a época de criança porque em Bauru fui criado com grupo de japoneses, inclusive namorei a Neusinha, uma nissei. Foi aqui no Japão que tive meu Sayonara Game, uma festa maravilhosa.
Dois anos se passaram, era 7 de abril de 1998, uma terça feira e de novo chovia! No elegante Hotel Okura em Tóquio, o também elegante cidadão Edson Arantes do Nascimento, Pelé, recebeu a imprensa para divulgar o cartão Mastercard, uma das patrocinadoras da Copa da França 98, que seria realizada dali a dois meses. (foto abaixo)
Desta vez fui como repórter do Jornal International Press e quando abriram a porta do salão nobre, Pelé foi anunciado como sakkaa no kamisama (Deus do Futebol). Durante sua palestra, Pelé deu conselhos às seleções do Japão e Brasil, disse que futebol é uma “caixinha de surpresa“ e lembrou que na Copa da Espanha-82, o Brasil era favorito jogando o seu melhor futebol-arte, mas foi derrotado pela Itália. Porém, na Copa dos EUA-94, os Canarinhos jogaram fora do seu estilo, na defensiva, e conquistou o tetra.
Antes de encerrar a coletiva, Pelé posa para fotos com um cartão Mastercard enorme e depois joga para os jornalistas duas bolas de futebol. Um jornalista japonês pega a bola no ar. Pelé diz num bom inglês: “you are a good goalkeeper!“. E não é fácil ser um bom goleiro, quando se está diante do Rei do Futebol.
A coletiva chega ao final! Pelé se retira e segue pelo saguão do hotel. Foi quando me aproximei e me reapresentei, lembrando do nosso encontro ha dois anos, no Tokyo Gas! Claro que ele não se lembrava de mim! Mas na sua gentileza, ele disse “Oi você está bem?“
Pelé colocou seu braço direito sobre meus ombros e fomos caminhando até o elevador. A imprensa japonesa tirava fotos, filmava, devem ter pensado que eu fosse o maior amigão do Pelé, para andarmos assim até a porta do elevador.
Pelé entra no elevador, somente eu me despeço do Rei em bom português, porque só havia eu de brasileiro lá! Fiquei satisfeito por de novo ter conseguido uma entrevista exclusiva durante aquela travessia pelo saguão do hotel.
Ao ver Pelé naquele elevador apertado, a porta se fechando, me lembrei de um castelo pós-medieval, com portão de ferro, porque qualquer cubículo se transforma em castelo, quando quem está lá dentro é Sua Majestade Pelé.
OSNY ARASHIRO – Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” e, claro, Dylaniano/Dylanesco… e Raul Seixas
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