Nossos japoneses são mais criativos
Lembrei ao genial FALCÃO que o DRIBLE ELÁSTICO e a LAMBRETINHA (ou carretilha) foram criados por nikeis brasileiros
Seleção Brasileira de futsal não reina mais nas quadras! E perdemos a semifinal (2 a 1) para nossos maiores rivais, a Argentina, na Copa do Mundo de Futsal – Fifa 2021, realizada na Lituânia (12 de setembro a 3 de outubro).
Sem o Rei Falcão, sem seus dribles elásticos, sem lambretinhas, nossa seleção virou time comum e não chega sequer na final.
FALCÃO E GAVIÕES DA FIEL em jogo no Ginásio Yoyogi de Tóquio, dia
5 de maio de 2006, Brasil 3 X 0 Japão
Durante este Mundial, o canal SporTV exibiu um documentário sobre Falcão, considerado o maior jogador da história do futsal.
É o primeiro Mundial que o Brasil disputa após a Era Falcão, pois ele aposentou-se do futsal em 2018. Então pego uma carona e também relembro aqui os encontros com Falcão, em Tóquio (2006) e Hamamatsu (2012).
A seleção brasileira esteve em Hamamatsu nos dias 21 e 22 de outubro de 2012, para pré-aquecimento para o Mundial da Tailândia daquele ano. Então marquei uma entrevista exclusiva com Falcão, para a revista Alternativa, após um treino no Hamamatsu Arena.
Duas das perguntas na ocasião estão aqui reproduzidas:
Falando da arte do Falcão, qual o drible mais difícil de você aplicar, o elástico ou a carretilha?
O elástico eu uso menos e geralmente completo o drible com a bola escapando. Com a carretilha sempre tenho o controle da bola, pelo menos quando aplico, a bola sempre está perto da minha cabeça ou do corpo. Minha carretilha sempre é em movimento, o que é bem mais difícil. Essa parte de habilidade sempre treinei muito a vida inteira, para quando executar, acontecer da melhor maneira. Então dificuldade não tenho muita não. O que precisa é ter coragem de fazer. E sempre tive essa vontade durante minha carreira e considero isso um diferencial.
Você sabe que o drible elástico foi criado por Sergio Echigo que hoje é comentarista no Japão e a carretilha foi inventada pelo Kaneko, que jogava no Santos do Pelé. Te surpreende que dois dribles dos mais artísticos foram criados por nikkeis?
Surpreende sim! E vejo essa nova geração do futebol, pois sou muito amigo do Neymar e do Lendro Damião e quando crianças, eles queriam fazer o que faço em quadra, sendo moleques queriam imitar o Falcão e isso o Neymar declara a todo mundo. O que é preciso é a ousadia de fazer. O brasileiro sabe fazer esses dribles. Mas ao chegar no estádio ou ginásio lotado de torcedores, ele fica retraído. Acho que a personalidade determina 50 por cento da profissão, ainda mais no esporte. Então me surpreende e fico feliz por ter sido nikkeis a criarem esses dribles, mas para mim acho que a ousadia e a coragem de driblar é o que faz a diferença.
Nasce a carretilha na
Vila Belmiro diante do Rei Pelé
O ponta-direita ALEXANDRE KANEKO avança pela lateral da grande área, prende a bola entre um pé e o calcanhar do outro pé, faz uma alavancada, encobre ele próprio e o infeliz zagueiro Carlucci para pegar a redonda do outro lado. Kaneko cruza na medida para Toninho Guerreiro completar com um gol de letra. Estava patenteada a lambretinha – ou lençol psicodélico, carretilha, como queiram.
Em campo naquele fabuloso time do Santos, estavam o bicampeão mundial Mengálvio e os futuros tricampeões do mundo na Copa 1970: Carlos Alberto Torres, Joel, Edu e o Rei Pelé, que assistiu tudo de dentro da área. Mas todos os aplausos foram para o jovem nikkei Kaneko.
O belo drible nasceu onde nasceu o Rei Pelé, na Vila Belmiro, Santos 5 X 1 Botafogo-SP, Campeonato Paulista, 9 de março de 1968.
Drible elástico:
Sergio Echigo criou e
Rivelino popularizou
Rivelino nunca escondeu: “aprendi o drible elástico com um japonês, o nissei Sergio Echigo“. Foi no time dos aspirantes do Corinthians, nos idos de 1964. Todos reconhecem que Sergio criou e Rivelino popularizou. Aplicado com maestria, o drible elástico humilha o zagueiro, ele fica a procurar a bola de um lado, mas ela já está do outro, como se grudado à chuteira por um elástico.
Quem diria que no Brasil, a Pátria de Chuteiras, os japoneses locais seriam tão criativos assim?
Ocorreu me então a lembrança de uma antiga série de comercial de tevê, dos anos 90, criada pela Agência Talent, para a Semp Toshiba. O bordão ficou famoso: “nossos japoneses são mais criativos que os japoneses dos outros”.
A Semp, antes da fusão com a Toshiba em 1977, foi a empresa que lançou em 1942 o primeiro rádio no Brasil. Em 1951, foi a primeira a lançar o aparelho de televisor no Brasil.
Sempre pioneira, a Semp Toshiba tinha orgulho em apresentar um aparelho de tevê “melhor que os japoneses”, com 50 meses de garantia, até a próxima Copa do Mundo.
Então, quem diria que os dois dribles mais belos do futebol foram criados por nikkeis brasileiros, “mais criativos que os outros!”
Dos gramados para o museu do futebol, pois ambos os jogadores criaram obras de arte que valem assinatura: Sergio Echigo e Alexandre Kaneko.
Tais “pinturas de dribles” foram reproduzidas por Romário, Ronaldos Fenômeno e Gaúcho, Neymar, Falcão e tantos outros craques que desfilaram pelos gramados do mundo, aplicando esses habilidosos dribles, sem pagar royalties para os inventores.
E quanto aos “japoneses originais?” Bem! Eles que continuem fabricando as legítimas lambretinhas Honda, Yamaha, Kawasaki…
OSNY ARASHIRO – Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” e, claro, Dylaniano/Dylanesco… e Raul Seixas
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