Bob Dylan 80 anos: As multifaces deste trovador multitalentoso
Bob Dylan oitentão é o único poeta/cantor a ostentar em sua prateleira de honra o Prêmio Nobel, o Oscar, o Pulitzer, o Grammy e o Globo de Ouro.
Meu grande ídolo na música, Bob Dylan completa 80 anos neste dia 24 de maio! Ouvi Dylan pela primeira vez aos 17 anos e gostei de cara, me identifiquei com o trovador de violão, guitarra, gaita e voz rústica.
A personalidade enigmática deste menestrel o torna tão ímpar em talento e tão plural com seu cântico poético. Suas canções com letras de oposição às guerras e a favor dos direitos civis o rotularam de “Cantor de Protesto”.
Uma das homenagens a Bob Dylan será a inauguração do Bob Dylan Center, na cidade de Tulsa, Oklahoma (EUA) ainda no próximo ano, com data de abertura para o dia 10 de maio de 2022.
Serão mais de 100 mil itens pessoais do cantor em exibição, como manuscritos de letras, vídeos, fotografias, instrumentos musicais, painéis com os quais o visitante poderá interagir com a obra dylanesca.
O museu de três andares (foto abaixo) será “dedicado ao estudo e apreciação de Bob Dylan e seu significado cultural mundial”, anuncia o site oficial.
Também fiquei muito feliz pelo reconhecimento do seu conjunto de obras, pela Academia Sueca, que lhe concedeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2016. A premiação foi justificada por Dylan ter “criado novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana”.
Apesar de algumas pessoas questionarem se foi justo outorgar o Nobel a um artista do rock, considerando suas letras como poemas, só tenho a lamentar por esse povo não conhecer a obra de Bob Dylan a fundo.
Os hermanos chilenos vencem por 2 a 0 os brasileiros, pois seus dois poetas, Gabriela Mistral e Pablo Neruda, ganharam o Nobel. Nós, nenhum! Outros poetas também ganharam: Tagore, William Butler Yeats, T. S. Eliot.
Dylan é um poeta que não declama, canta! É um dom a mais! Gabriela Mistral e Pablo Neruda eram diplomatas e ganharam o Nobel! Poeta-diplomata pode? Poeta-cantor não pode? Quem ditou tais regras?
BOB ERA “ZIMMY” PARA OS MAIS CHEGADOS
Robert Allen Zimmerman é o nome de batismo de Bob Dylan, nascido em Duluth, Minnesota, no dia 24 de maio de 1941. Mas ele não queria ser Robert Allen Zimmerman. Inventou Bob Dylan, porque leu e gostou do poeta Dylan Thomas.
Porém, começou querendo ser igual a Woody Guthrie, seu ídolo da folk music. Depois ganhou personalidade própria, ou várias individualidades.
O rebelde Bob fugiu de casa aos 10 anos de idade, aos 12, 13, 15, 15 e meio, 17 e 18. Sempre voltou para casa, menos na última. O menino Robert Zimmerman quisera fugir de si mesmo, mas o alter ego Bob Dylan fugia junto. E Bob nem era Bob, pois na adolescência seus colegas de escola o chamavam de “Zimmy”!
Bob “Zimmy” em 1957, aos 16 anos, em um acampamento com amigos no Wisconsin
Existe o Dylan arredio, difícil, arrogante, áspero, sarcástico, excêntrico, cara de poucos amigos. Existe o Dylan romântico, apaixonado, desiludido, angustiado, dócil, saudosista, irônico, benevolente.
Também existe o Dylan judeu, cristão, ateu, convertido, aquele que um dia foi xingado de “Judas, Traidor”, porque trocou o violão do folk pela guitarra do rock.
Dylan é de poucas palavras ao falar, mas de muitas estrofes ao cantar, quase não cabendo na métrica musical. Às vezes fala cantando, um exemplo é a canção Like a Rolling Stone:
Quando você não tem nada / você não tem nada a perder / Você está invisível agora / você não tem segredos para esconder / Qual é a sensação / ah qual é a sensação? / De estar por conta própria / Sem um rumo pra casa / Como uma total desconhecida / como uma andarilha
Like a Rolling Stone foi eleita pela revista Rolling Stone a Melhor Canção de Todos os Tempos, entre as 500 listadas.
Em 2004, a mesma revista elegeu Bob Dylan o 2º maior artista musical de todos os tempos, atrás apenas dos Beatles. Mas em termos revolucionários, na minha opinião, o que os Beatles fizeram em quatro, Bob Dylan fez sozinho, esse é o grande diferencial
Paul McCartney (junto a John Lennon) com o disco The Freewheelin’ Bob Dylan, segundo vinil gravado por Dylan
Outra canção de Dylan, All Along The Watchtower, foi eleita pelo site das guitarras Gibson, como o melhor cover da história do Rock, na versão interpretada por Jimi Hendrix.
Quando ainda não era famoso, Jimi Hendrix teve de penhorar sua guitarra para arranjar dinheiro do aluguel. Na volta, viu um disco de Bob Dylan na vitrine, não resistiu e gastou o dinheiro no disco, o que causou uma grande briga com a namorada.
Jimi Hendrix com o vinil Blonde on Blonde, sétimo álbum do Bob Dylan
Há também o Dylan folk, country, roqueiro, folk-rock, gospel, o escritor de Tarântula, o ator em filmes e pintor de guaches e aquarelas.
Quando esteve no Brasil para shows, inspirou-se nas comunidades dos morros e pintou o quadro abaixo, destacando as desigualdades sociais.
Dylan não canta a mesma canção igual cantou anteriormente. Faz novos arranjos, novas harmonias, muda o tom de voz, reinventa a si próprio. Quem o conhece pelo disco Nashville Skyline o desconhece em Before the Flood. Dylan nos faz pensar ser um cover de si mesmo. Muitos artistas regravam suas músicas. Mas ninguém canta Dylan melhor do que Dylan.
Um Dylan desiludido aparece em It Ain’t Me Babe:
Você diz que está procurando por alguém / Que prometa nunca partir / Alguém que feche os olhos por você / Alguém que feche o seu coração / Alguém que vai morrer por você e mais / Mas esse não sou eu, querida / Não, não, não, não sou eu, querida / Esse não sou eu que você está procurando, babe
Mas Dylan romântico ressurge em Lay Lady Lay:
Fique, lady, fique, enquanto ainda é noite / Eu desejo vê-la à luz da manhã / Eu desejo procurar por você à noite / Fique, lady, fique, enquanto a noite está calma.
Madonna, a Rainha do Pop, conta que na sua adolescência, quando ouviu Lay Lady Lay pela primeira vez no porão da sua casa onde ficava o quarto do seu irmão, ela deitava na cama e chorava durante a música toda.
Já famosa e poderosa, Madonna conheceu pessoalmente seu ídolo da adolescência; e na capa da People Weekly, olha com quem a Loira Ambiciosa saiu abraçadinha …
Também existe o Dylan admirador de Elvis Presley, o amigo de Joan Baez e inimigo de jornalistas, que recusa a dar entrevistas.
Existe o Dylan contra as guerras, em Masters of War:
venham senhores da guerra / vocês que constroem todas as armas… / eu ficarei sobre o seu túmulo / até me certificar de que vocês estão mortos.
O Dylan contra o racismo, que ajudou a libertar da cadeia o boxeador negro Hurricane:
Enquanto Rubin senta como Buda em uma cela minúscula / Um homem inocente no inferno / Essa é a história do Hurricane / Mas não vai acabar até que limpem seu nome / E devolvam o tempo perdido
Bob Dylan visita Rubin “Hurricane” Carter na prisão; anos depois Hurricane livre se encontra com Dylan
Cada um compreende (ou não compreende) Dylan de acordo com a bagagem de vida. Ame-o ou deteste-o! Oito ou oitentão!
Existe o Dylan burlesco, Jokerman, leitor de notícias de jornais para se inspirar, o crítico social, a consciência de uma geração. Dylan lança farpas com sua voz de grunhidos e uivos!
Desconhecemos qual o verdadeiro Bob Dylan! Apesar de ser ele um dos artistas do rock mais pesquisados, é de quem menos sabemos. Dylan dizia, “a máscara revela mais do que esconde”. Ao completar seus 80 anos, continuamos sem saber qual das carapuças artísticas ou poéticas Dylan estará usando.
O trovador, o menestrel, o bardo, o João Batista do rock, o cantor de protesto. Artista tão plural, ao mesmo tempo, tão ímpar! Não existe nada similar a Bob Dylan no mundo do rock-poesia-literatura. É difícil gostar de Dylan! Hermético, enigmático, obscuro, complexo. É mais fácil não compreendê-lo!
Abaixo, link para a música One More Cup of Coffee
Bob Dylan “One More Cup Of Coffee” LIVE performance [Full Song] 1975 | Netflix – YouTube
OSNY ARASHIRO – Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” e, claro, Dylaniano/Dylanesco…
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