Osny

A última corrida de Carl Lewis

 

Em tempos de Jogos Olímpicos, relembro a última corrida de Carl Lewis em Tóquio e a história dramática de sua medalha de ouro nos 100 metros conquistada em Seul 1988.

O velocista Carl Lewis sempre cumpria o prometido a si mesmo. O mundo duvidava de que ele conseguiria igualar o feito do seu ídolo Jesse Owens, nos Jogos Olímpicos de 1936: ganhar quatro medalhas de ouro na mesma Olimpíada.


Carl Lewis aos 12 anos (primeiro à esquerda)  com seu ídolo Jesse Owens (ao centro) – Foto: Smithsonian

Com largas passadas, Carl Lewis foi cumprindo a promessa nos Jogos de Los Angeles 1984. Nos 100 metros, chegou mais de três metros à frente do segundo colocado. Depois, pulou 30 centímetros a mais que o segundo colocado no salto à distância. Nos 200 metros rasos, quebrou o recorde olímpico de então. Três dias depois, no revezamento 4×100 conquistou sua quarta medalha com outro recorde. Era o novo herói da América.


Carl Lewis (esq.) igualou o feito do seu ídolo Jesse Owens ao conquistar quatro medalhas na mesma Olimpíadas

Mas um dia, o homem mais veloz do mundo devolveu sua medalha aos Deuses do Olimpo. Não! Não foi por doping!

Em 1987, Carl Lewis depositou nas mãos do pai falecido aquela medalha de ouro dos 100 metros, conquistada em Los Angeles. A mãe viúva não concordou com que a medalha fosse embora dentro de um caixão fúnebre. Mas Carl prometeu: “Não se preocupe mãe, eu vou ganhar outra pra senhora!”

No ano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Seul 1988, chegara a hora da verdade.

Na grande final dos 100 metros rasos, lá estavam grandes velocistas: Lindford Christie, Calvin Smith, Denis Mitchel, Desai Williams, Raymond Stewart, nosso brasileiro Robson Caetano da Silva e o canadense Ben Johnson.

Numa arrancada impressionante, Ben Johnson toma a frente dos demais com quase dois metros de diferença e vence a prova com inacreditáveis 9s79. Era naquele instante o único atleta a ter corrido abaixo dos 9s80, enquanto os outros velocistas ainda não conseguiam correr em menos de 9s90.

Carl Lewis se conformou com a marca de 9s92 e ficou com a medalha de prata, deixando então de cumprir a promessa para sua mãe, que assistia da arquibancada a prova do filho.

Mas os Deuses do Olimpo fizeram justiça, porque dois dias depois, o COI anuncia para o mundo o teste positivo na urina de Ben Johnson para Estanozolol. Ele é obrigado a devolver a medalha e assim, Carl Lewis ficou com o ouro e com a promessa cumprida. Carl Lewis ainda levou ouro no salto à distância, com 8,72m.


Carl Lewis em Tóquio, para o 1996 TOTO Meeting

Carl Lewis foi um atleta mais completo que Ulsain Bolt. Ambos competiam nos 100m, 200m, 4 X 100m, mas só Carl Lewis competia numa quarta modalidade, o salto à distância. Por essa modalidade, Lewis é o único atleta a ganhar a medalha de ouro em quatro Olimpíadas seguidas: Los Angeles 1984, Seul 1988, Barcelona 1992 e Atlanta 1996.

Em quatro participações em Olimpíadas, Carl Lewis conquistou 9 medalhas de ouro e uma de prata, enquanto Ulsain Bolt levou 8 de ouro em três Olimpíadas. É verdade que ambos os atletas estão empatados com 8 ouros, mas Carl Lewis levou 9, porém, uma está sepultada com seu pai.

Sendo admirador deste magistral atleta, fiquei muito feliz quando Carl Lewis veio a Tóquio em 1996 e 1997, para o TOTO Meeting. Foi a oportunidade de vê-lo correr, de conhecer uma lenda viva do atletismo, do qual escrevi reportagem de página inteira na ocasião.

O TOTO Meeting 1996 foi realizado no dia 16 de setembro, no Estádio Nacional de Tóquio, pouco mais de um mês após os Jogos Olímpicos de Atlanta 96. Portanto, os grandes astros olímpicos estavam presentes, incluindo Carl Lewis.

Mas o ouro de Carl Lewis começava a embaçar! Ele chegou em 6º lugar entre os oito competidores da prova dos 100 metros rasos (10s37), vencida por Frankie Fredericks, da Namíbia, com o tempo de 10s02.

Não importa! O público de 51.400 aficionados japoneses foi ao estádio para aplaudir Carl Lewis. O lutador de sumô, Konishiki, com seus 262 quilos, caminhou até a pista de atletismo para dar um grande abraço naquele atleta olímpico detentor de nove medalhas de ouro.


Konishiki cumprimenta Carl Lewis na pista de atletismo do Estádio Nacional de Tóquio

O Meeting de 1997 foi uma corrida-exibição, anunciada como a “última corrida de Carl Lewis”. Teve cerimônia do sakê em um hotel de Tóquio, com Carl Lewis devidamente trajado com happi.


Carl Lewis participa da Cerimônia do Sake (ou saquê, como queiram) antes do Meeting em Tóquio

As competições foram realizadas no dia 6 de setembro de 1997, no mesmo Estádio Nacional de Tóquio, atualmente reconstruído para os Jogos de Tokyo 2021.

Aos 36 anos, Carl Lewis correu nos 100 metros rasos, com estudantes. Ficou em segundo lugar, com o tempo de 11s07. Se pretendesse ganhar alguma medalha com essa marca, Carl Lewis teria de voltar ao tempo, mais de 90 anos, nos Jogos Olímpicos Intercalados de Atenas 1906, quando o americano Archie Hahn venceu os 100 metros rasos com 11s02. Lewis, portanto, teria ficado com a prata.

Todo atleta deve saber a hora de pendurar as sapatilhas e parar com dignidade. Os admiradores de Carl Lewis não desejam o mesmo fim do seu ídolo Jesse Owens, o atleta mambembe, que em final de carreira, aceitou desafios de correr contra cavalos, “porque não posso comer quatro medalhas de ouro”.


Carl Lewis: “tudo foi como um sonho e sinto-me uma pessoa de sorte em todos os aspectos da minha vida”

Chegou a hora, Carl! Seu maior adversário nunca foi Ben Johnson. Todos sabem que foi o relógio e, desta vez, o tempo chegou na frente.

OSNY ARASHIRO – Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” e, claro, Dylaniano/Dylanesco… e Raul Seixas

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